A gente sobrevive!

                                                                                                              Setembro de 2012

 

 

        Num feriado de 7 de setembro, fomos dar um passeio pela Serra Catarinense, indo até Santa Rosa de Lima, a Capital da Agroecologia. Fomos conhecer um pouco do movimento de resgate de valorização da cultura regional, junto da consciência para uma vida saudável, com a produção de alimentos orgânicos.

Fomos junto com dois outros casais, amigos do tempo de Escola Waldorf de nossas filhas. Ficamos hospedados numa das pousadas que faz parte deste projeto, onde a proprietária é que nos recebeu e preparava, ela mesma, todas as delícias que tivemos a oportunidade de saborear em nosso farto café da manhã. Até aí, maravilha!

 

É que para chegar lá, enfrentamos uns bons quilômetros de estrada de chão e muuuita poeira! Numa estradinha cheia de curvas e de sobe e desce. Saímos pela manhã e depois de passarmos na pousada que ficava numa propriedade mais isolada e deixarmos nossas coisas, fomos até um lugar mais afastado ainda, de água termal, chamado de balneário. Chegamos lá para almoçar, já passava das 13h, quando descobrimos que precisaríamos ter encomendado o tal almoço...

 

Já estava eu solicitando um “lanche”, um X-salada, coisa que nem costumo comer, quando alguém chamou nossos amigos pelo nome e nos convidaram a almoçar com eles. Nisto veio o “chef” e proprietário do lugar, conhecido deles também e comentou que conseguiria providenciar mais umas carnes. Assim, almoçamos todos juntos. O que foi muito bom!

Depois, alguns de nós, aproveitaram e se banharam na bonita piscina de águas termais.

Fim de tarde, bateu aquela vontade de um café com bolo, ainda mais que estávamos na “colônia”. Fomos até a cidadezinha atrás de um Café. Mas qual, cidade do interior, pleno feriado de 7 de setembro, tudo fechado. Foi quando vimos indicação de outra cidadezinha à 17 Km dali. E tivemos a “grande ideia” de ir até lá procurar café...

 

A sorte é que era um trecho de estrada asfaltada, pois nada de Café e nada aberto. Paramos para pedir informação e nisto o pessoal do outro carro viu que umas pessoas entraram num estabelecimento, meio mercado meio loja de confecções. Fomos até lá e pedimos se poderiam nos atender.

Primeiramente a ideia era comprarmos o tal do café em pó para fazermos na pousada. Depois desistimos e só compramos, além de uns picolés, salame e queijo, para fazermos de petisco antes do jantar. Voltamos direto para a pousada e lá nos demos conta que não tínhamos guardanapo de papel, mas em compensação ninguém esquecera de levar vinho. O jantar estava salvo!

Jantamos maravilhosamente o prato que nossa amiga levara. Apesar do forno do velho fogão a gás não querer funcionar. Apelamos para a gentileza de nossa Senhoria da pousada que aproveitando o calor do forno de sua cozinha, onde assava uma cuca para comermos no café da manhã do outro dia, prontamente nos salvou... O jantar fora salvo mais uma vez!

 

Antes de dormirmos, rolou muita conversa e partidas de dominó, ficando até acertado que haveria revanche no dia seguinte. Acordamos cedo e fomos conhecer a Ecovila e com isso vermos reservas de mata atlântica e a maravilha da natureza da Encosta da Serra Geral. Um lindo paredão de montanhas sequencialmente dispostos, fazendo a divisão com o planalto do estado catarinense.

 

Nossa! Que presente divino aquele lugar... Mas, mais divino foi as pessoas que lá conhecemos: uma família, onde o marido é o caseiro da Ecovila, sua esposa, seu filho caçula de 10 anos e o “nono” de 83 anos, conversando e tomando chimarrão, com outros familiares que estavam de visita.

Tudo muito simples, pessoas que nem conhecem a Capital, que moram numa casa de madeira em condições precárias, com muitas flores em volta, cujo quintal tinha seu espaço disputado pelas galinhas e um casal de pavão. Cujas penas, aliás, faziam parte da decoração da sala-galpão, onde estavam reunidos animadamente a conversar, quando chegamos para pegar uma chave.

 

De pronto fomos todos convidados a entrar e a participar da conversa, onde alegremente nos contaram que haviam matado um boi para festinha da sobrinha e neta que “tinha ficado advogada”, que aconteceria no dia seguinte numa outra cidadezinha próxima. Logo os homens ofereceram para os outros homens, se queriam experimentar de uma cachaça muito especial com menta. E o “nono”, com seus pés descalços mostrando que há muito não sabem o que é um calçado, que abraçou e cumprimentou todas as mulheres, foi buscar lá dentro, outra cachaça especial que orgulhosamente ofereceu. Tudo numa conversa alegre e animada onde se falava no mínimo, três ao mesmo tempo!

Pessoas de uma alma singela, que se realizam e se alegram na lida diária do campo, cultivando e zelando aquela terra, enquanto criam seus filhos, o gado doméstico, as galinhas e o pavão. Simplesmente.

 

Voltamos em seguida, novamente rodando mais alguns quiilômetros de poeira, curvas e sobe e desce, para almoçarmos nosso almoço, desta vez devidamente encomendado no Balneário e depois todos nós aproveitamos a deliciosa temperatura natural da piscina.

Fatalmente, fomos acometidos pelo mesmo desejo de um café com bolo, só que desta vez nos resignamos ao feriadão no interior e pensamos em deixar para tentarmos com nossa Senhoria da pousada, mas não tivemos sucesso na empreitada. Depois de rodarmos outros tantos quilômetros empoeirados de volta, não encontramos ninguém na pousada. Bem, o negócio seria nos ocuparmos então com o restante de salame e queijo, enquanto era preparado pela nossa outra amiga nosso jantar daquele dia, que prometia...

 

Resolveram que seria mais interessante preparar o tal jantar no fogão à lenha, já que o à gás era meio temperamental. Qual o quê... só se conseguiu foi infestar a casa toda de fumaça, sem sucesso! Desistimos e nos contentamos com o fogo mediano do velho fogão à gás, que pelo menos nos permitiu salvar o jantar, que aliás, valeu a pena!

 

O pessoal do dominó retomou as tais revanches e ficaram até tarde jogando, num falatório movido pelo vinho parecido com o daquela família lá na encosta da serra. Enquanto isso eu tentava dormir... pensando sobre aquele trabalho de resgate cultural que está sendo feito naquele lugar, achando aquilo tudo muito interessante.

Tanto que, noutro dia no café da manhã, quando um dos nossos amigos comentou brincando que descobrira que a gente sobrevive à falta de guardanapos, me dei conta que sim: a gente sobrevive à muitas coisas... Sobrevive à almoços não encomendados, sobrevive à estradas empoeiradas, sobrevive à falta de café com bolo, sobrevive à fumaça, sobrevive à falatório que não nos deixa dormir, sobrevive à precariedade material, sobrevive não conhecendo a Capital, sobrevive ao vento que derruba a pena do rabo de pavão...

 

Mas, descobri que a gente não sobrevive à falta de calor humano. Que é o que alimenta a alegria daquela família naquele lugar isolado e descampado e a todo aquele belo projeto de resgate cultural que por lá acontece.

 

Parabéns a toda gente da pequena Santa Rosa de Lima! Parabéns pelo cultivo de alimentos orgânicos e toda valorização cultural, mas principalmente: parabéns pelo cultivo de calor humano!

 

 

PARA QUEM QUER IR LÁ TAMBÉM:

- Santa Rosa de Lima está localizada no território das Encostas da Serra Geral, principal corredor ecológico entre o Parque Nacional de São Joaquim e o Parque Estadual da Serra do Tabuleiro. Curiosamente um município de 2.031 habitantes, que possui mais nascentes d`água que moradores e a água que chega às torneiras é mineral.

- ECOVILA - projeto particular para reserva da mata atlântica na encosta da serra catarinense.

- AGRECO Associação dos Agricultores Ecológicos das Encostas da Serra Geral. www.agreco.com.br

- Pousada Vitória (48) 3654-0048

- Balneário Paraíso das Águas (48) 3052-9022 3654-0156   3654-0176

- Acolhida na Colônia: www.acolhida.com.br

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